Indumentária, Marmeleiros e Romarias
Antigamente, os homens das localidades desta região de Vouga, aos domingos, dias santificados, ou à noite quando saíam à rua, usavam gabão, castanho ou preto.
O gabão, com capuz, cabeção e mangas largas, de grande roda a cair às pregas, envolvia todo o corpo e descia até aos pés, calçados em tamancos com uma chapinha de metal amarelo na biqueira. Era um grande agasalho para o inverno, o tal gabão…
Na cabeça, os mais humildes enfiavam um barrete preto (carapuço), em forma cónica, com borla na ponta. Os mais categorizados, em vez de barrete usavam chapéu preto, em geral de abas largas, e nos pés, em vez de tamancos, calçavam botas (com elástico dos lados) ou chancas (calçado de solado de madeira) e quase sempre se faziam acompanhar de um pau de marmeleiro da altura do indivíduo. Este pau, cheio de nós, e aquele gabão com o capuz que o homem enfiava na cabeça, eram as suas armas de ataque e defesa.
Gabão de Ovar
Nas feiras rurais e nas romarias populares, via de regra, depois de o vinho fazer o seu efeito, ou fosse por negócios pouco lisos ou fosse por ciúmes de mulherio, os marmeleiros dançavam no ar, ouviam-se gritos em goelas femininas, e, a seguir, apareciam cabeças “valientes” a esguichar sangue. E nem a feira teria sido grande feira e nem a romaria teria sido famosa sem aquele quadro pitoresco dos gritos femininos do aqui-del-rei-quem acode e das cabeças rachadas. E até as lojas da boa pinga, com ramo verde loureiro à porta, ficariam desacreditadas por muito tempo.
Ou então em noite escura como breu, gabão vestido e capuz enfiado na cabeça, bom marmeleiro no pulso firme, o engaboado, se era namorado traído ou irmão insultado, procurava o rival ou o roubador da honra da irmã em sítio ermo por onde fosse costume ele passar e, no dia seguinte, havia na aldeia uma vida a menos ou um ferido a mais. Quem teria sido?! Ninguém tinha visto e o gabão, capuz enfiado na cabeça, era irreconhecível. Só perdurava o mistério e a desconfiança…
Também alguns lavradores destas localidades, quando antigamente andavam a lavrar as suas terras ou quando iam à apanha do mato, usavam umas polainas cor de castanha, de burel, a cair sobre os tamancos, e que lhes subiam quase até aos joelhos, evitando assim sujarem as calças ou picarem as pernas.
Ainda há cinquenta anos atrás se usava o gabão, marmeleiros e polainas, embora já rareando. Hoje em dia isso pouco se vê nas localidades desta região, mas o marmeleiro ainda é, em noitadas e romarias populares, usado por alguns, mais para não levar as mãos a abanar do que como arma.
E o gabão foi substituído pelo sobretudo e pela gabardine, agasalhos deste nosso tempo, porque muitos rapazes destas terras, embora modestos, se as economias ajudam, vestem-se actualmente, em dias de folgança, como os rapazes da cidade. As estradas e os fáceis meios de transporte, que não havia outrora, a ligar as cidades às aldeias, operaram, em meio século, esta mudança.
(Laudelino de Miranda Melo, in Arquivo do Distrito de Aveiro, páginas 280, 281)
A seguir do mesmo autor: As mulheres da região.
....
*****
Em Portugal, o gabão comprido, munido de mangas, romeira e capuz, usou-se em quase toda a faixa altlântica até depois da Grande Guerra de 1914-1918. Nas comunidades piscatórias da Póvoa de Varzim, Aveiro, Ílhavo e Nazaré, apresentava pequenas variantes, sendo habitualmente confeccionado com panos de lã castanha. Versões mais ricas, em lã preta, com pespontos e alamares, ocorriam na Murtosa, Aveiro, Coimbra e Lisboa.
Nos inícios do século XX, os "gabões de Aveiro" eram confeccionados em série pela Casa das Tesouras, localizada nos números 51 a 55 da Rua da Escola Politécnica em Lisboa, conforme anunciava um bilhete postal ilustrado da época (Cf. "A publicidade em Portugal através do bilhete postal ilustrado", Ecosoluções, 1998, p. 56). Foi com um gabão ou varino típico da Beira Litoral, veste apenas acessível a pessoas de posses, que um dos regicidas investiu sobre a família real em Fevereiro de 1908.
Nos inícios do século XX, os "gabões de Aveiro" eram confeccionados em série pela Casa das Tesouras, localizada nos números 51 a 55 da Rua da Escola Politécnica em Lisboa, conforme anunciava um bilhete postal ilustrado da época (Cf. "A publicidade em Portugal através do bilhete postal ilustrado", Ecosoluções, 1998, p. 56). Foi com um gabão ou varino típico da Beira Litoral, veste apenas acessível a pessoas de posses, que um dos regicidas investiu sobre a família real em Fevereiro de 1908.
Fragmento extraído do blogue «Virtual Memories»
Foto do Gabão oriundo de Ovar, conforme blogue que pode ver aqui
Sem comentários:
Enviar um comentário