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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

OS SENHORES DO MARNEL - 3

    Após a chegada do telegrama da Leonor, dando conta do seu interesse em vir passar umas férias ao Marnel, são apresentados os nomes de algumas figuras da região, dando uma ideia do que representavam no meio Assim, respigam-se  daquelas amarelecidas páginas que nos legou Vaz Ferreira e vamos ver como foi:

    «Veio no dia do jantar do Monte Reguengo e a novidade da chegada de Leonor foi acolhida com alegria por todos. Os rapazes planearam  uma cavalgata a Aveiro para fazerem solene recepção à escritora cujos artigos e poesias eram lidos e apreciados em terras do Vouga. O visconde aplaudiu a manifestação. Outros dos presentes associaram-se a ela, como os dois Lemos de Alquerubim, o João Figueiredo do Brunhido, o Manuel Fonseca de Macinhata, o Diogo de Meneses da Trofa, o António Soares de Serém, o Manuel Vaz de Melo de Vila Verde, o José Pinheiro de Arrancada e até o Joaquim Teixeira de Pedaçães, solteirão já dos seus cinquenta janeiros, mas que arranchava sempre alegremente com a rapaziada. O doutor Veiga da Palhaça bem quereria acompanhá-los mas impossibilitava-o o ter de dar o seu giro médico.

    As senhoras desejaram também a sua parte na festa e ficou assente que iriam em trens esperar o cortejo à ponte de S. João de Loure para fazerem à prima as honras do Vouga.

    Até os quatro padres presentes: o cónego Melo, próximo vizinho do Monte Reguengo, o reitor de Valongo, o abade de Lamas e o pároco de Macinhata combinaram incorporar-se no cortejo. Ficou este último, a quem a tradição conservava o título de abade de Serém, encarregado de arranjar carro e ir buscar os outros. O que todos queriam era aproveitar pretextos para divertimentos.

- E na volta - disse João de Figueiredo - os rapazes vão até ao Brunhido comer uma bacalhoada e um caldo verde na minha quinta do Paço. É claro que a clerezia acompanha os rapazes. Em se tratando de comezaina os eclesiásticos acamaradam sempre. As senhoras não posso convidar porque...

- És como eu solteirão impenitente - interrompeu o Teixeira.

- Impenitente não - ripostou o Figueiredo. - Provisório, por enquanto.

- Quando é a boda? - perguntou logo o folgazão José Pinheiro

- E os primos de Lisboa - continuou o Figueiredo - vão conhecer a quinta histórica onde o conde D. Pedro escreveu talvez o seu Nobiliário.

- Foi daqui que ele partiu - interveio enfático Manuel Vaz de Melo, - com o meu parente D. Antão Vaz de Almada, para a fatal jornada de Aljubarrota.

- Cala-te aí, desgraçado - atalhou Francisco de Lemos. - Trocas sempre tudo. Metes os pés pelas mãos. Se o primo doutor te ouvisse...

Ouvi, ouvi - respondeu João Fernandes - O primo Manuel Vaz confunde D. Pedro, conde de Barcelos, filho natural do rei D. Dinis e de D. Grácia de Sacavém com o duque de Coimbra, também D. Pedro e filho de D. João 1.º. Esse é que morreu na Alfarrobeira e não em Aljubarrota. O seu companheiro, ascentente (sic) (ascendente?) da casa de Vila Verde, foi o conde de Avranches (sic) (Abranches) D. Álvaro Vaz de Almada. D. Antão Vaz de Almada foi um dos conjurados de 1640 e viveu dois séculos mais tarde. O primo Manuel Vaz sabe muito bem tudo isto; mas às vezes troca um pouco os nomes.

- É isso mesmo - aquiesceu o de Vila Verde.

- Não há dúvida - continuou explicando o doutor João Fernandes - que o conde D. Pedro habitou no Brunhido e nos paços que aqui possuía contraiu um empréstimo de cem mil libras portuguesas a D. Teresa Annez, doando por sua morte os seus bens de Eixo, Requeixo e Lamas ao mosteiro de S . Tirso. Se a quinta era a do Paço, hoje do nosso amigo e primo, é que se não sabe bem, apesar de o dizer a tradição.

- Mas é sem dúvida alguma - teimou João de Figueiredo.

- Não lhe ponho eu a dúvida - retorquiu o doutor. - Só referi a dos enfronhados nessa matéria.

Lopo Mendes tinha convidado as famílias de Segadães e do Marnel para jantarem em Jafafe, mas deu plena liberdade aos primos para optarem pela bacalhoada no Brunhido. Substituí-los-iam a mulher do Fonseca de Macinhata e a mãe e as irmãs do Diogo da Trofa que eram as mais aparentadas com Leonor de Meneses.»


                                                                                                                        (Continua)

                                                                                                                                                                                                         

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

OS SENHORES DO MARNEL - 2

    Do romance que nos post's anteriores nos temos referido, existe este capítulo, que não deixamos de transcrever, por acharmos que o mesmo tem lisonjeiras referências às terras do Vouga.  Do mesmo constam estas passagens:


«Pelo caminho, Lopo Mendes disse à filha que era pena estarem tão longe dos primos Pigeiros (em outras passagens este local está identificado por Pigueiros). Ele, preso com os trabalhos da quinta, não podia sempre acompanhá-la e privava-a assim de conviver, de se distrair. Se tivesse uma senhora para andar com ela... Já se lembrara de tomar uma miss ou uma alemã, só para dama de companhia.
Dulce não quis, não tinha jeito de acamaradar com pessoas desconhecidas, indiferentes. Demais não se divertiria longe do pai.
Este insistiu, alvitrava trazer uma das Pigeiros para Jafafe, alternadamente. Entre as primas não se lembrava de qualquer que viesse para a quinta passar com eles o verão? Não tinha uma amiga que convidasse?
- Não pense nisso, meu pai. Estamos muito bem assim.
- Mas viverás num deserto, aborreces-te e tornas-te mais triste, sem teres em que empregar os teus dias.
- O meu piano basta - respondeu a filha.
- Não te quero mona. Quero ver sorrir essa boca, brilhar esses olhos. Quero-te alegre, viva, mexida, como é próprio da tua idade.
- Não preciso disso para ser feliz - murmurou Dulce.
Passado algum tempo, quási ao chegarem a casa, Lopo sorriu-se, olhou para a filha, pousou a mão nas dela e disse:
- Achei.
- O quê, meu pai?
- Companhia para ti.
- Quem?
- A Leonor Meneses.
- A prima Leonor?
- Não gostas dela?
- Gosto. Mas ...
- Não te agrada tê-la cá?
- Agrada, sou amiga dela. O que não sei é se virá. Tem lá a sua vida ...
- Até há-de gostar. Vou escrever-lhe. Queres?
- Pois sim.

    Leonor de Meneses era uma rapariga maior dos trinta, sem pai, nem mãe, nem irmãos, vivendo parcamente, mas sem deixar a sociedade a que pertencia pela família, à custa dos seus trabalhos literários. Escrevia com o anagrama El Noro em revistas e jornais, fazia traduções, publicava volumezinhos de versos e crónicas e assim se sustentava numa independência sem altivez e numa modéstia sem humildade. Na roda de inúteis que a cercava, orgulhava-se de trabalhar; intelectual entre cretinos, não se pejava de ser pobre entre ricos. Se não a requestavam pela mocidade, nem pela beleza, consideravam-na pelo seu merecimento e gostavam da sua conversação fácil, variada e culta. Assim não a entristeceu o transpor solteira a idade dos amores, nem o sentir-se só na existência. Colocada entre duas gerações de primos, tratava por tu os pais e os filhos e era igualmente amiga das mães e das filhas.
    Lopo Mendes apreciava-a e conhecia-lhe o carácter. Era assim a carta dele:

    «Estamos instalados na quinta de Entre-Jafafes, nas pitorescas margens do Vouga. Em Segadães, a duas léguas daqui, estão os viscondes, a condessa de Pigueiros e as filhas. Os rapazes estão no Marnel, a meio caminho de Segadães, com a prima Flâmula, o marido e os filhos, e por estas redondezas, todas lindas, abundam primos e primas alegres, hospitaleiros e desejosos de divertir-se. Os teus trabalhos literários, se te não dão a possibilidade de umas férias, devem lucrar com a mudança de cenário para estes lindos sítios, poéticos, históricos e inspiradores.
    Prepara-se um verão de convivência e distracções.
    Por isto me atrevo não só a fazer-te um convite, mas a pedir-te um grande favor.
  Vem, querida prima, até cá para fazeres à minha Dulce a companhia que não posso dar-lhe, assoberbado com os trabalhos que resolvi tomar a peito, da administração dos nossos campos.
   Queres dar-nos este prazer? Se quiseres irei buscar-te a Lisboa quando me indicares.
    Ficar-te-á sempre grato o
                                                                                            teu primo e
                                                                                        sincero admirador
                                                                                            Lopo Mendes»

    A resposta foi, dias depois, um telegrama lacónico:

    «Chego depois de amanhã rápido Aveiro
    Leonor».


                                                                                                                (Continua)



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