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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

OS SENHORES DO MARNEL - 2

    Do romance que nos post's anteriores nos temos referido, existe este capítulo, que não deixamos de transcrever, por acharmos que o mesmo tem lisonjeiras referências às terras do Vouga.  Do mesmo constam estas passagens:


«Pelo caminho, Lopo Mendes disse à filha que era pena estarem tão longe dos primos Pigeiros (em outras passagens este local está identificado por Pigueiros). Ele, preso com os trabalhos da quinta, não podia sempre acompanhá-la e privava-a assim de conviver, de se distrair. Se tivesse uma senhora para andar com ela... Já se lembrara de tomar uma miss ou uma alemã, só para dama de companhia.
Dulce não quis, não tinha jeito de acamaradar com pessoas desconhecidas, indiferentes. Demais não se divertiria longe do pai.
Este insistiu, alvitrava trazer uma das Pigeiros para Jafafe, alternadamente. Entre as primas não se lembrava de qualquer que viesse para a quinta passar com eles o verão? Não tinha uma amiga que convidasse?
- Não pense nisso, meu pai. Estamos muito bem assim.
- Mas viverás num deserto, aborreces-te e tornas-te mais triste, sem teres em que empregar os teus dias.
- O meu piano basta - respondeu a filha.
- Não te quero mona. Quero ver sorrir essa boca, brilhar esses olhos. Quero-te alegre, viva, mexida, como é próprio da tua idade.
- Não preciso disso para ser feliz - murmurou Dulce.
Passado algum tempo, quási ao chegarem a casa, Lopo sorriu-se, olhou para a filha, pousou a mão nas dela e disse:
- Achei.
- O quê, meu pai?
- Companhia para ti.
- Quem?
- A Leonor Meneses.
- A prima Leonor?
- Não gostas dela?
- Gosto. Mas ...
- Não te agrada tê-la cá?
- Agrada, sou amiga dela. O que não sei é se virá. Tem lá a sua vida ...
- Até há-de gostar. Vou escrever-lhe. Queres?
- Pois sim.

    Leonor de Meneses era uma rapariga maior dos trinta, sem pai, nem mãe, nem irmãos, vivendo parcamente, mas sem deixar a sociedade a que pertencia pela família, à custa dos seus trabalhos literários. Escrevia com o anagrama El Noro em revistas e jornais, fazia traduções, publicava volumezinhos de versos e crónicas e assim se sustentava numa independência sem altivez e numa modéstia sem humildade. Na roda de inúteis que a cercava, orgulhava-se de trabalhar; intelectual entre cretinos, não se pejava de ser pobre entre ricos. Se não a requestavam pela mocidade, nem pela beleza, consideravam-na pelo seu merecimento e gostavam da sua conversação fácil, variada e culta. Assim não a entristeceu o transpor solteira a idade dos amores, nem o sentir-se só na existência. Colocada entre duas gerações de primos, tratava por tu os pais e os filhos e era igualmente amiga das mães e das filhas.
    Lopo Mendes apreciava-a e conhecia-lhe o carácter. Era assim a carta dele:

    «Estamos instalados na quinta de Entre-Jafafes, nas pitorescas margens do Vouga. Em Segadães, a duas léguas daqui, estão os viscondes, a condessa de Pigueiros e as filhas. Os rapazes estão no Marnel, a meio caminho de Segadães, com a prima Flâmula, o marido e os filhos, e por estas redondezas, todas lindas, abundam primos e primas alegres, hospitaleiros e desejosos de divertir-se. Os teus trabalhos literários, se te não dão a possibilidade de umas férias, devem lucrar com a mudança de cenário para estes lindos sítios, poéticos, históricos e inspiradores.
    Prepara-se um verão de convivência e distracções.
    Por isto me atrevo não só a fazer-te um convite, mas a pedir-te um grande favor.
  Vem, querida prima, até cá para fazeres à minha Dulce a companhia que não posso dar-lhe, assoberbado com os trabalhos que resolvi tomar a peito, da administração dos nossos campos.
   Queres dar-nos este prazer? Se quiseres irei buscar-te a Lisboa quando me indicares.
    Ficar-te-á sempre grato o
                                                                                            teu primo e
                                                                                        sincero admirador
                                                                                            Lopo Mendes»

    A resposta foi, dias depois, um telegrama lacónico:

    «Chego depois de amanhã rápido Aveiro
    Leonor».


                                                                                                                (Continua)



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