A Beatriz da minha infância - II
Engº Bastos Xavier
- Olhe - continuava a Beatriz - na viela do Rego, à meia-noite, aparecem porcas com pitos e nunca ouviu falar ao que aconteceu ao Zaías?
- Não.
- Pois o Zaías tinha a avó doente no Sobreiro. Um domingo foi lá vê-la e levava ao ombro um bolo. Vai, ao chegar ao Pinheiro Manso, viu no caminho uma galinha negra. Apanhou-a e meteu-a no saco e pôs o bolo no bolso, e lá foi. Quando chegou disse à avó: «trago aqui um presente, minha avó!»
Abriu o saco e viu que ele não tinha nada dentro! Nem a galinha! Nem o bolo no bolso! Há coisas, meu menino!
Então eu disse com a face no seu regaço: «Eu tenho medo, Beatriz!»
- Olha agora, medo! O padre que o baptizou disse-lhe todas as palavras do baptismo; não deixou nenhuma atrás. Eu estava a tomar conta. Por isso quita de ter medo.
Eu era muito lá da Igreja, desde o tempo do prior Calado.(1) Quando seu avô morreu teve ofícios. Quem trouxe o jantar para os padres, num açafate coberto com uma toalha de renda, fui eu. Pus a mesa. Tudo de bom e do melhor. Depois de estarem lá que tempos à volta da essa: réu! réu! quem morrer vai p'ró céu, os padres subiram a escada e foram comer. Já desabotoavam a batina, já a cara lhes ardia numa fogueira e lá iam sem paga - que havia padres na família!
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Mas o prior Calado não quis saber e pediu uma librazinha ao seu pai. Lá a levou e agora já lá o sabe. A librazinha era de ouro! Das de cavalinho!
Com estas e outras histórias a Beatriz ia despertando em mim desejo de ser grande para poder descobrir, pelo meu trabalho, onde se encontra a verdade, a mentira e a superstição.
(In Jornal «Valongo do Vouga», Fevereiro de 1976, página 4)
(1) - Fazemos esta nota, partindo do princípio que o autor da história pretendia referir-se ao padre João António Nunes Callado, que foi pároco e presidente (no tempo) da Junta de Paróquia desta freguesia desde 1896. Permaneceu no cargo da Junta até à implantação da República em 5 de Outubro de 1910.
(Continua)
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