Histórias da minha vida
A Beatriz da minha infância-I
Engº Bastos Xavier
Preâmbulo:
Dizia no post anterior de «Gente destas Terras», que ainda havia de trazer aqui alguns escritos da autoria do Engº Bastos Xavier, que ele publicava no Jornal Paroquial «Valongo do Vouga» e que com a vénia devida aqui procuro recordar, entre eles uns contos a que dava o título de «A Beatriz da minha infância».
Não vale a pena explicar os significados e os conteúdos dessas histórias, que mais não são que algumas crendices populares, que eram lendas tratadas numa pureza de linguagem que nos faziam acreditar que tudo aquilo era uma verdade indesmentível de uma vida vivida tal qual as palavras procuravam transmitir. A primeira era assim:
*****
Foi a Beatriz quem, com outras já mortas, me revelou o mundo em que vivemos. Viu-me no berço, vai ver-me no caixão.
Com beijos saudou a minha entrada na vida, com lágrimas se despedirá de mim na sepultura.
Guiou-me os primeiros passos no mundo, agora só lhe resta ungir-me para o túmulo, finalizando assim uma vida cheia de preocupações, como é a da maioria.
Aqui está ela na minha infância, esclarecendo-me a minha história, contando-me «casos».
- Pois quando V. era menino era muito debilzinho de cor. Não tinha uma pintazinha de sangue na carinha. Um dia disse à sua mãe: «O menino é muito esmaleitado, deixe-me ir com ele à passagem de um enterro.» Ela consentiu, eu levei-o à Ferradeira, pus-me por trás de um cômoro e, quando ia a passar o caixão, disse: «Leva o ar deste menino e deixa-lhe o teu». E assim foi. Ficou còradinho que era um regalo! Era a admiração de toda a gente. Rico menino, quem lhe deu esta cor de saúde?
Tinha sido eu... Esperei pela Feira do Beco, comprei-lhe uma figa de azeviche encastoada em ouro, porque é preciso muito cuidado com as bruxas.
Sabe o que aconteceu ao Padre Bernardino? Pois o Padre Bernardino ia dizer missa à Mourisca. Cedinho, era ainda ar pardo, sentia-se passar o bento cheiro de morrão da lampâda de Jerusalém, quando sobre a manhã se apaga.
Lá ia o santinho a cavalo na mulinha talvez a rezar o «Padre Nosso» quando as bruxas num lumaréu do inferno lhe apareceram. E à volta dele as excomungadas do demónio a rirem-se, a atirarem gargalhadas e o padrezinho no seu sério, sem reparar nas malditas.
Ele sabia a oraçãozinha de S. Cipriano, mas não lha dizia. Mas, ao chegar às primeiras casas da Mourisca, consumido com os risos delas a fazerem pouco, disse-lhe a dita oraçãozinha.
Ainda não tinha acabado, já aquelas descaradas estavam ali ao pé da burrinha nuas em pêlo a pedirem ao padre que as soltasse que era uma vergonha irem assim para a Mourisca, que precisavam de ir para as suas casas, para junto dos maridos e dos filhos. Mal delas, se eles davam pela sua falta!
Fartaram-se de chorar e o padre, coitadinho, bom serás como era, depois de lhes censurar a sua acção e de elas prometerem nunca mais tornarem lá, lhes desdisse o palavreado e as deixou ir para a sua gente.
Então eu, com os olhos fitos na Beatriz, perguntei tremendo:
- É verdade, Beatriz?
- É, meu menino, é.
Eu acreditava em toda esta história, que hoje sei ser da carochinha, mas sentia-me feliz.
(Continua)
(In «Valongo do Vouga», Janeiro de 1976, pág. 7)
(Continua)
(In «Valongo do Vouga», Janeiro de 1976, pág. 7)
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