Vamos continuar a respigar algo mais do livro com o mesmo título, editado em Abril de 1984, pelo jornal «Valongo do Vouga», de que era director o Pe. António Ferreira Tavares.
Ficámos, no último capítulo aqui registado, com a resignação e o abatimento de um dos Bandeiras da Gama (Pedro), tio das Meninas, e do Dr. Resende, médico, apoiante daquele, pelas falhas das suas diligências.
Parece-nos interessante seguir o mesmo raciocínio do Dr. José Joaquim Silva Pinho e tentar resumir um factor importante: como é que as Meninas saíram da casa do Ransam e como é que estando lá o Dr. Joaquim Álvaro Pacheco Teles, não os descobriram com tanta minúcia colocada na busca? Então temos de voltar um pouco atrás, na sequência dos acontecimentos desta história.
Rua Visconde de Aguieira, neste lugar. Porque o protagonista deste espisódio é do Dr. Pacheco Teles, Visconde de Aguieira, aquele é um dos mais antigos topónimos do lugar e da freguesia de Valongo do Vouga. Ao fundo é visível o lado direito do palacete onde morou e do arco que liga a moradia por cima da estrada.
A criada do cirurgião Lima, como já se disse, tirou com facilidade as duas órfãs (uma de cada vez) de casa de Ransam. Ela usava um capote grande (era inverno) e como era uma mulher corpulenta aliada à sua generosidade, valentia e coragem, conseguiu passar pelos polícias e pelos soldados, que enchiam a casa e a rua sem que ninguém reparasse. O amigo do Pedro Bandeira, a essa altura, não estava em Belomonte (Porto). Tinha ido, por azar seu, à casa do cônsul francês a pedir aquela malfadada autorização para entrar em casa do Ransam e fazer a busca policial. É muito natural que se o Bandeira lá estivesse na casa e não tivcsse saído por causa da autorização, ele tivesse descoberto os «fardos» que a criada do cirurgião levava debaixo do capote e, nessa altura, se tal acontecesse, tudo estaria perdido, porque as órfãs e o tutor seriam encontrados e presos, certamente.
E quanto ao Joaquim Álvaro, tutor das Meninas, do lugar de Aguieira? O que lhe aconteceu? É isso que vamos ver a seguir...
Joaquim Álvaro estava em casa do cidadão francês, a polícia vasculhou tudo em pormenor a todo o edifício, que era superiormente dirigida pelo Dr. Resende, e não encontrou sequer vestígios da estadia do que viria a ser o futuro Visconde de Aguieira, em todos os locais percorridos e examinados. Como é que os seus moradores conseguiram furtar Joaquim Álvaro à perseguição dos Bandeiras naquela casa do Belomonte? Teria sido ele também transportado pela valente amazona que salvara as Meninas Mascarenhas? Ainda houve alguém que chegou a admitir esta hipótese.
Joaquim Álvaro era um jovem de 29 anos, robusto, corpulento e alto. Uma pessoa desta estatura corporal não podia ir debaixo do braço de uma mulher, pois não tinha espaço para o ocultar das vistas, mesmo menos perspicazes. Onde estava o tutor? Como se desenvolveu esta ocultação milagrosa? Vejamos como as coisas simples nos parecem sempre as mais dificeis. Joaquim Álvaro ficou em situação aflitiva quando viu a casa cercada. A sua principal preocupação era a protecção das Meninas, ele queria era vê-las salvas.
Então, quando Joaquim Álvaro soube que as Meninas tinham sido retiradas daquela casa e estavam em abrigo seguro, radiante disse até que se iria entregar, se fosse preciso e não houvesse outro meio de evitar a prisão, que via estar muito eminente a cada momento que passava.
Mas há uma voz feminina que diz o seguinte:
- O nosso dever é lutar até ao fim. Vou tentar salvá-lo, sr. dr. Teles.
Com um português de acentuação estrangeirada, esta senhora era a madame Mesnier, francesa. Para abreviar apenas diremos que era uma senhora cheia de sagacidade e resolução, inteligente e fina. O Dr. Joaquim Álvaro ao ouvir aquilo, ainda contestou. Trava-se um díálogo que não vamos transcrever, mas em que a dita senhora diz ao Joaquim Álvaro se está disposto a obedecer-lhe, quaisquer que sejam o incómodo e o sacrifício. Joaquim Álvaro disse que sim. A senhora respondeu-lhe, que estava bem, mas que depois não se queixasse. Então o estratagema foi este.
No quarto daquela senhora, foi tudo revolvido, com a conivência das criadas, que era para uma noite de núpcias. Desmancharam a cama e chegou a hora do sacrifício do Dr. Pacheco Teles. Deitado de bruços no pavimento das tabuinhas de madeira que segura os colchões, fica com a cabeça livre até ao pescoço, junto à cabeceira, para poder respirar e vai esperar ali, naquela situação, resignadamente, pela hora da sua libertação, ou «da minha perdição», dizia o Dr. Joaquim Álvaro.
E resignado começou a ser construído o esconderijo. E lá caiu o primeiro colchão. Com cuidado ficou tudo coberto do que era o corpo de Joaquim Álvaro. Há ainda uns ditos jocosos e dizia a senhora: Lá vai o segundo colchão. Mais uns ditos a raiar a boa disposição pelo insólito do que estava a acontecer, por causa do perfume e de aromas suaves, que confirmava o Dr. Joaquim Álvaro sentir.
Mas havia ainda um terceiro colchão de penas de aves raras, como os brocados orientais.
Madame Mesnier ia falando e fazendo ao mesmo tempo, até que a certa altura desbafou, dizendo que era uma pena o Dr. Joaquim Álvaro não poder ver aquele quarto. Foram instruídas as criadas de que mal chegasse a polícia, uma das criadas colocaria a travesseira e as fronhas.
Naquele momento sentiu-se bater à porta com arruido desusado. É a polícia disseram todos...
Vamos seguir os acontecimentos...
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