Indumentária, marmeleiros e romarias
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Um excerto que guardava por aqui há muitos anos, oriundo do Arquivo Distrital de Aveiro - DA REGIÃO DO VOUGA - publica algumas histórias, usos e costumes bastante curiosos. Com a devida vénia, permitimo-nos discorrer de tais páginas o seguinte:
Monumento alusivo à lenda da Justiça de Fafe, in blogue do Prof. Kiber, em
http://esoterismo-kiber.blogs.sapo.pt/
«Antigamente, os homens das localidades desta região de Vouga, aos domingos, dias santificados, ou à noite quando saíam à rua, usavam gabão, castanho ou preto.
O gabão, com capuz, cabeção e mangas largas, de grande roda a cair às pregas, envolvia todo o corpo e descia até aos pés, calçados em tamancos com uma chapinha de metal amarelo na biqueira. Era um grande agasalho para o inverno, tal gabão.
Na cabeça, os mais humildes enfiavam um barrete preto (carapuço), em forma cónica, com borla na ponta. Os mais categorizados, em vez de barrete usavam chapéu preto, em geral de abas largas, e nos pés, em vez de tamancos, calçavam botas (com elástico dos lados) ou chancas (calçado de solado de madeira) e quasi sempre se faziam acompanhar de um pau de marmeleiro da altura do indivíduo. Este pau, cheio de nós, e aquele gabão com o capuz que o homem enfiava na cabeça, eram as suas armas de ataque e defesa.
Nas feiras rurais e nas romarias populares, via de regra, depois do vinho fazer o seu efeito, ou fosse por negócios pouco lisos ou fosse por ciúmes de mulherido, os marmeleiros dançavam no ar, ouviam-se gritos em goelas femininas, e, a seguir, apareciam cabeças valientes a esguichar sangue. E nem a feira teria sido grande feira e nem a romaria teria sido famosa sem aquele quadro pitoresco dos grisos femininos do aqui-dél-rei-quem-acode e das cabeças rachadas. E até as lojas da boa pinga, com ramo verde de loureiro à porta, ficariam desacreditadas por muito tempo.
Ou então em noite escura como breu, gabão vestido e capuz enfiado na cabeça, bom marmeleiro no pulso firme, o engaboado, se era namorado traído ou irmão insultado, procurava o rival ou o roubador da honra da irmã em sítio ermo por onde fosse costume ele passar e, no dia seguinte, havia na aldeia uma vida a menos ou um ferido a mais. Quem teria sido?! Ninguém tinha visto e o gabão, capuz enfiado na cabeça, era vulto irreconhecível. Só perdurava o mistério e a desconfiança...
Também alguns lavradores destas localidades, quando antigamente andavam a lavrar terras ou quando iam à apanha do mato, usavam umas polainas cor de castanha de burel, a cair sobre os tamancos, e que lhes subiam quasi até aos joelhos, evitando assim sujarem as calças ou picarem as pernas.
Ainda há cinquenta anos atrás (desconhece-se a data em que esta descrição foi escrita) se usava gabão, marmeleiro e polainas, embora já rareando. Hoje em dia isso pouco se vê nas localidades desta região, mas o marmeleiro ainda e, em noitadas e romarias populares, usado por alguns, mais para não levar as mãos a abanar do que como arma. E o gabão foi substituído pelo sobretudo e pela gabardine, agasalhos deste nosso tempo, porque muitos rapazes destas terras, embora modestos, se as economias ajudam, vestem-se actualmente, em dias de folgança, como os rapazes das cidades. As estradas e os fáceis meios de transporte, que não havia outrora, a ligar as cidades às aldeias, operaram, em meio século, esta mudança.»
Autor: Laudelino de Miranda Melo
A seguir: - As mulheres
Nota: - Do que se encontra descrito, posso afiançar que assistimos ainda a alguns destes episódios, principalmente nas romarias.
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