A frase anteriormente citada, do escritor Vaz Ferreira, sobre o seu livro com aquele título, dizia assim:
"Mais adiante, de novo fiz referência ao missal do pároco artista e às margens do Vouga".
Igreja do Convento de Serém |
Continuemos pois:
«Quando ao dar a volta para a estrada real se lhes deparou um muro alto que excediam algumas copas de árvores, o João Fernandes explicou que ali fôra o convento de Serém, onde um artístico abade começara a pintar um belo missal «iluminado e iluminarado» - dizia o doutor - com cercaduras lindíssimas e páginas admiráveis que constituem perfeitos quadros. Da história do convento pouco podia dizer-lhes. Fundara-o Diogo Soares em 1635, concluindo-o seu filho Miguel Soares e era de capuchos de Santo António. De notável só tinha o ser ali que Estêvão Gonsalves começou e em parte fez a sua linda obra. A Dulce conhecia o célebre missal da Academia das Ciências, tendo-o apreciado muito quando o fôra ver, tanto mais que também ela se entretinha pintando alguma coisa e apreciava a arte especial da iluminura. Penalizava-a não poder folhear de novo essa maravilha. Podia fácilmente. Estava às suas ordens na livraria do Monte Reguengo uma bela cópia editada anos antes com todo o primor. Visto ser apreciadora e manejar pinceis, recomendava-lhe que revisse a obra do inspirado abade, onde era perfeitamente caracterizada, para quem a soubesse examinar, a diferença entre a parte feita ali, em longos anos de serena contemplação das luminosas e quietas margens do Vouga, e a outra trabalhada em Viseu, quando Estêvão Gonsalves já estava cónego. Diverso era o ambiente e dissemelhante a inspiração. Nem se precisava atender às diferentes maneiras como ele assinava».
Continua a narrativa de Vaz Ferreira a dar explicações, uma vez que estava em causa saber quem era Estêvão Gonsalves e a sua ligação com a dita obra de iluminura do famoso missal. E havia, na altura, dúvidas quanto a datas do convento de Serém, as quais estão gravadas no frontispício. Vamos ver como termina a explicação de Vaz Ferreira, quando há alguém - o Dr. António Baião - que comunicou à Academia das Ciências de Lisboa o que outro (Maximiano de Aragão) apurou por investigações.
«Estêvão Gonsalves Neto foi abade de Santa Maria Madalena de Sereijo, perto de Pinhel, desde 3 de Maio de 1613 a 3 de Junho de 1618. Nunca foi abade de Serém, de cujo convento a primeira pedra foi lançada a 16 de Abril de 1635, oito anos depois dele ter morrido a 29 de Julho de 1627.»
E mais adiante, diz:
Entrada na Quinta do Convento de Serém |
«O ano de 1610 posto no frontispício marca talvez o início da monumental obra, começada portanto antes da ida do artista para a sua paróquia, onde posteriormente faria essa página de rosto. Em que lugar começou o futuro abade o seu meticuloso trabalho? Virá um dia a descobrir-se?
Uma certeza adquiriu o dr. Maximiano de Aragão: não foram a calma e linda paisagem do Marnel nem as risonhas margens do Vouga que inspiraram as belíssimas iluminuras do missal. Mas mereciam ter sido.
No entanto, devo esta rectificação; e, visto que ela interessa ao nosso distrito e não conto reeditar o meu romance, aqui a deixo no Arquivo; porque, como Aristóteles, a-pesar-de muito amigo do Marnel, sou mais amigo da verdade.
Feira, 17 de Junho de 1942.
Vaz Ferreira»
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Tudo isto foi publicado no Arquivo do Distrito de Aveiro, por Vaz Ferreira. Para quem, talvez, não o soubesse, como nós, Vaz Ferreira era de Santa Maria da Feira. No seu romance, «Os Senhores do Marnel», que já foi referenciado neste blogue, tem uma base histórica e quer esclarecer qualquer facto que não estaria historicamente correcto. Por isso refere que não vai reeditar aquela sua obra. E o que não está correcto, será, certamente, a situação e a identificação do abade artista, que foi encontrado perto de Pinhel, falecido em 26 de Julho de 1627. O romance de Vaz Ferreira foi publicado em 1926.
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