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quinta-feira, 18 de julho de 2013

As crónicas de Adolfo Portela - 11

A Visitação dos Passos


Cemitério Paroquial de Valongo do Vouga
Recolhida a procissão na capelinha de Assequins, logo daí desabelham, aos ranchos, os devotos da Visitação dos Passos.
Onze horas da noite. Todo o Vale de Águeda se apagou. O balbuciar baixinho das rezas assinala a passagem dos devotos que vão agora visitar os Passos.
Aí vem o Almiro da Borralha; e, atrás do Almiro ou do Manuel Ceguinho (que poucos, como eles, sabiam conduzir e manter as boas regras duma devoção), ajuntaram-se em bando homens e mulheres que respondem à sua reza.
O primeiro Passo era dantes à entrada da Cancela, na estrada velha de Assequins - o Passo dos Apóstolos, com Jesus no horto e os apóstolos a dormirem para ali, encostados às ripas do palanque...
- «... Esta primeira estação representa o lugar, em que o Nosso Salvador, depois da agonia no Horto, no qual suou gotas de sangue que chegaram a regar a terra, sem piedade lhe descobriram os ossos de entre a carne, patenteando-os rubros de sangue... - Padre Nosso, Avé-Maria...»
E a voz trémula do Almiro da Borralha chegava a comover os mais indiferentes pela sinceridade das crenças que ela acusava.
- «... Teceram logo uma coroa de setenta e dois espinhos, e, pregando-lha na sagrada cabeça, rebentaram de novo setenta e dois rios de sangue...»
E uma beata do bando, em delíquio espiritual, com a voz embargada por um soluço profundo, gemia lá do escuro: Ai... - E o ai da beata ia, de boca em boca, a desafogar o coração simples de todo o bando: Ai!...
Ao fim de tudo, percorridos os Passos do João Ribeiro, de Além da Ponte, do Crespo e todos os mais a que a rubrica ingénua das cartilhas chama a «contemplação em particular dos tormentos da Paixão e Morte de Cristo», seguia-se, já na igreja, «a consagração em geral» dos mesmos tormentos.
O mestre de cerimónias da Via Sacra dizia assim - tudo de cor e de enfiada, que era de mais devoção:
- «Sete quedas deu o nosso amorosíssimo Jesus desde o Horto até casa de Anás!»
E os devotos, em êxtase, respondiam:
- «Louvado seja para sempre tão bom Senhor!»
Tornava o director de lá:
- «Seis mil quatrocentas e setenta e duas feridas teve em seu santíssimo corpo!»
E o coro, logo, sempre em voz carpida:
- «Louvado seja para sempre tão bom Senhor!»
E pela cartilha fora - ... «144 pontapés, 6.666 açoites, 109 suspiros» ... - até que o mestre de cerimónias rematava:
- «As lágrimas que chorou foram seiscentas mil e duzentas!»
E todo o bando respondia, por fim:
- «Louvado sejais, meu amado Jesus, que, para nos salvar, tanto padeceste, até que deste a vida por nós!».

(Fonte: «Águeda, crónica-paisagens-tradições, de Adolfo Portela, 2ª Edição, Gráfica Ideal, 1964)

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