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terça-feira, 18 de junho de 2013

As crónicas de Adolfo Portela - 9

A Procissão dos Passos para Assequins - I

A Noite dos Passos, com a sua procissão pela estrada de Assequins, desde a igreja da Vila até à capela da Senhora da Graça, é toda ela cheia do mais lindo e mais comovedor espectáculo de que tenho conhecimento; pois, na verdade, não sei de terras portuguesas onde essa procissão se revista de tanta poesia.

É toda a Vila, é gente do concelho, é gente de muito longe - tudo a presenciar esse lindo e piedoso cortejo e a comover-se profundamente do espectáculo estranho e original que a vista lhes dá.
Ao fundo dos outeiros da Chãs e da Bicha Moira, o leito da estrada coalha-se de lumes - São os brandões velhos da Irmandade do Senhor Jesus, as tochas, as lanternas, os círios, a todos esses coloridos novelos de luz nas mil velas dos devotos, a estenderem-se por aí fora como uma tira da Via Láctea que se descosesse do céu...  Os outeiros de envolta, o Adro, as Chãs, S. pedro, a Borralha, o Randam, põem nos  postigos ou nos beirados de cada casal uma pinha ardente de lanternas. E essas migalhinhas de lume, que são outras tantas almas, de joelhos, tremulinam à flor da água empoçada, acrescentando-se e multiplicando-se por tal forma, que toda a bacia do Vale de Águeda, desde o seu fundo verde até ao cabeço dos outeiros que o cercam, é uma cheia grande de luz a transbordar!
- São as mães em ânsias diante dos filhos, com o sarampo; são os pais, mirradinhos de saudades, a lembrarem os filhos que andam na tropa ou sobre as águas do mar; a tia Zefinha do Atalho a rezar pelo rapaz que foi para o Brasil; o João da Viúva, que não teve carta no último paquete, mas que tem lá dentro uma coisa que lhe diz que a primeira carta que vier há-de ser de preto, com más novas dentro do sobrescrito; ainda a Marianinha das Chãs a rezar pelo neto que anda para padre (a poder de quantos sacrifícios, sabe-o ela!) e que confia que Deus lhe faça a esmola de o levar a bom termo dos seus estudos... Há também rapariguinhas ingénuas, que, ao assomar dos dezoito anos, se voltam para o Senhor dos Passos, a rogar-lhe que acalme as febres da sua mocidade em flor com o achado de um noivo que seja honesto e temente a Deus; rapazes, por sua vez, que lhe imploram de coração solteiro e deserto de amor, outro que o despose e se emparelhe com ele para levarem a cruz da vida, aos beijos...
 
(Fonte: Águeda: crónica, paisagens, tradições, de Adolfo Portela, 2ª edição, Gráfica Ideal, 1964)

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