Igreja de S. Miguel, em Travassô, onde se realizou a cerimónia religiosa do casamento. Foto do site da diocese de aveiro |
Reli o episódio da chegada do barco, que tinha atravessado a ria, numa noite de lua que fulgia esplendores retratados no espelho das águas sossegadas. Só se ouvia o som produzido pelo roçar das varas dos barqueiros nas bordas do barco e as tristes cantigas que eles entoavam para não dormir.
Após ter relido, pensei que a melhor forma de transmitir uma emoção, um sentimento, uma transição de quase duzentos anos, seria deixar correr a pena do Dr. José Joaquim da Silva Pinho, por ser de todo sensível ao quadro que o rodeava. Assim, transcrevemos textualmente o que foi a chegada a S. João de Loure, depois a Travassô, o casamento, a boda em casa de um histórico e conceituado advogado desta freguesia, o Dr. José Correia de Miranda:
«Ao amanhecer, clareando o primeiro alvor da madrugada, Angeja via-se toucada de gaze de um nevoeiro subtil, e, rio Vouga acima, dormindo ainda debaixo de toldos de palha os meus companheiros, eu entretinha-me a atirar aos mergulhões com a minha espingarda certeira.
O barco parou em São João de Loure para eu saltar em terra e ir a Eixo arranjar dois cavalos que levassem rapidamente a Aguieira Agostinho Pacheco e Joaquim Álvaro.
Os cavalos aprontaram-se depressa, cedidos por António Nunes Marques.
O dr. José Pereira estava em Eixo e quis ir a São João ver Joaquim Álvaro.
Fomos ambos a conversar por entre os cômoros do campo povoado de milheirais ainda viçosos.
Os dois irmãos partiram a cavalo e nós seguimos pelo Vouga até à Ponte da Rata e daí, já no rio Águeda, fomos surgir no porto do Amieiro, em Travassô.
Estávamos, enfim, na verdadeira terra da pátria.
Do Amieiro partimos para Travassô, subindo a encosta.
A casa do dr. José Correia de Miranda abriu generosamente as portas aos recém-chegados. Éramos todos seus hóspedes. Apenas entraram nos aposentos, que lhes foram destinados pela esposa do dr. Miranda, as Meninas cuidaram em se vestir de gala.
Não houve nenhuma demora.
O casamento não podia deixar de ser celebrado imediatamente para evitar uma intervenção estranha.
Joaquim Álvaro e Agostinho Pacheco não se detiveram em Aguieira, chegando a Travassô à hora em que o consórcio devia celebrar-se. Organizou-se um préstito numeroso que acompanhou os noivos à igreja. As ruas estavam juncadas de flores e verdura, de algumas janelas pendiam colchas de damasco.
A noiva ia lindíssima, toda vestida de branco.
D. Maria Mascarenhas, franzina e pálida, aos doze anos, parecia uma senhora pela sua apresentação distinta e pelo seu grave modo.
Ela tinha crescido nos dois anos da expatriação, desenvolvendo as suaas formas, que se iam acentuando na transição da infância para a mocidade.
Na singeleza das suas maneiras, no seu gracioso penteado, no seu sorriso de criança, na meiguice das suas falas, em todo o seu ar atraente, havia o soberano encanto das pessoas predestinadas.»
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Neste texto, o Dr. José Joaquim da Silva Pinho, parece que tinha colocada toda a sua inspiração e entusiasmo, pela descrição que faz daquilo que viu. Há mais umas referências à irmã de D. Maria Mascarenhas, a Casimirinha, bem como o lauto banquete que o Dr. José Correia de Miranda organizou em sua casa, mas isso fica para a próxima.
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