A política de Águeda
Do livro «Crónicas» de Adolfo Portela, edição do semanário Soberania do Povo, no que se refere a política, respigamos este naco de interessante prosa, da página 128 à página 130. Isto para divertir, se a transcrição a isso originar. É este o conteúdo:
Agueda antiga-Paços do concelho. Neste local está a CGD, edificío dos correios, etc. |
Aqui temos, para exemplo, Lúcifer, um correspondente misterioso que data o seu comunicado do Lago Estígio e que vem de lá com o seu rir satânico, a dizer coisas impiedosas, mas artisticamente torneadas de estilo, acerca de certo escândalo famoso em que se pretendeu envolver o nome de João Ribeiro. Aqui temos também o Piolho Viajante, em «passeio pelo concelho de Águeda», a chamar a um clínico da terra todos estes lindos nomes que parecem catados por mão experimentada numa lição de fisiologia social: «molécula desorganizadora e dissolvente, de infecção mefítica e miasmática, enviada pelo corpo catedrático de Coimbra, com o nome antipático de flato...» Aqui temos ainda (e este era sapateiro, vejam lá...) o Zé do Forno, José Miguel da Silva, que, ao meio das mais cruéis arremetidas contra um celebrado galopim de Segadães, não se descuidou, por honra da literatura, de o apresentar com o mimoso epíteto de «menino bochechudo das gentilezas de Alquerubim».
Eram ovos moles em nata de vento...»
«Tudo isso, porém, que representa um tour-de-force de educação jornalística e de processo literário, naufragava a cada hora, de encontro ao assomo e à rudeza de palavras, com que o Campeão das Províncias e os mais campeões que andavam na refrega usavam falar das coisas políticas de Águeda.
O menos que uma pessoa conseguia ser, nos bicos da pena de um correspondente seu adversário, era isto, de uma assentada: «farçola, tolo ruim, capacho, batido, roto e safado!»
Ora, daqui para baixo, só a tiro, e em montaria!...
Um dos mais esforçados e valorosos influentes políticos das terras do Vouga foi assaltado nas crónicas da época por toda esta alcateia de epítetos, em letra redonda: «colosso de imoralidade, lobo devorador, verme, serpe maligna, bicho peçonhento». E era tudo assim - à bordoada, de três em pipa...
Foi tal e tanta a sanha de maldizer dos adversários por escrito - para que não se perdesse, no tempo, uma pitada daqueles fedores históricos... - que, se acaso os campeões arreavam alguma vez com a carga da má língua, logo a nossa terra acudia ao contratempo, fazendo circular em pasquim todas as prosas do seu rico ódio partidário. E, então, tortulhavam pelas esquinas da terra pasquins com o feitio literário dum que surgiu em 1861, em apelo aos «eleitores municipais do concelho de Águeda».
Tratava-se, aí, de pôr em exposição todas a vida pública e particular dum Vereador, que era, a esse tempo, a alma dum partido local. E o pasquim eleitoral diz que ele «fez os muros da sua quinta à custa do município; ficou com uma fornada de cal e com as ferramentas das obras; tirou da estrada pública para dentro das suas casas duas pias de pedra que eram nossas; calcou os fracos e dominou pelo terror; é homem sem honra nem palavra!» E, isto tudo, com o nome escarrapachado, com o nome e com os títulos, sem lhe faltar uma vírgula... Vai até a afirmar duma maneira categórica que, se alguém lhe «comprar o trigo por 600 reis e lho não tirar logo, e se alguém houver que lhe dê por ele 610, faltará ao contrato como um negro!» E, remexendo desgrenhadamente todo o vastíssimo glossário das injúrias: «Miserável! Usurpador! Ladrão! Assassino!» - ei-lo aí vai, o pasquim, sem cortesia nem pudor, com todas as letras do nome do cidadão, para as páginas da crónica!»
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